Acabei de assistir “A Onda“através da Netflix (atualização: infelizmente, este filme não está mais disponível na provedora via streaming citada). O filme alemão de 2008 é baseado do livro “The Wave”, do autor Todd Strasser, sendo que o livro foi baseado num experimento que aconteceu de verdade. Tal experimento consistia em ensinar aos alunos sobre autocracia (regime de governo ditador), e para exemplificar na prática o funcionamento de um governo fascista dentro da sala de aula.
Sinopse do filme A Onda: Rainer é um professor a quem foi designada a tarefa de instruir seus estudantes de Ensino Médio sobre o Estado Autocrático durante uma sessão às lições longas. Um professor favorito entre as crianças, Rainer decide deixar seus alunos desenvolver o assunto e pede a eles que construam sua própria autocracia. No entanto, quando as crianças formam um Estado-nação similar com o da Alemanha nazista, os professores não sabem o que fazer.
Indice
Quanto mais eu estudo comportamento humano, mais certeza tenho de que o nazismo nunca foi uma ferida que não voltará abrir novamente, e o filme A Onda demonstra muito bem isso. Seres humanos são, por natureza, irracionais e guiados por gatilhos mentais que pouco (ou nada) percebemos.
Na psicologia existem dois termos propostos originalmente por Keith Stanovich e Richard West, no livro “Rápido e Devagar” chamados “Sistema 1” e “Sistema 2”. O Sistema 1 é conhecido como nosso pensamento rápido e automático, exigindo pouco ou nenhum esforço e percepção de controle voluntário. Já o Sistema 2 é responsável pelas atividades mais complicadas para o Sistema 1, como fazer cálculos e outras atividades que desprendem muita atenção.
Em grande parte de nossa vida, quem está no controle é o Sistema 1, mas achamos que é o Sistema 2 (em outras palavras, temos o péssimo hábito de acreditar que estamos no controle de nós mesmos). O Sistema 2 é preguiçoso e odeia ser despertado pela incompetência do Sistema 1.
Experiências que vi no livro “Rápido e Devagar“, de Daniel Kahneman, mostram o quanto obtemos felicidade em resolver coisas de forma rápida sem precisar consultar o Sistema 2 (ou seja, sem a necessidade de pensar muito). Olha só como uma simples pergunta pode ser facilmente respondida: “Quantos animais de cada espécie Moisés colocou na Arca para salvar?“. Acredito que você possa ter respondido “dois”, não é? Mas a resposta está errada, pois Moisés não levou animal nenhum até a Arca… Que fez isso foi Noé! Repare como essa resposta errada foi culpa do Sistema 1, mais precisamente por conta da associação temática que o sistema 1 faz (afinal, tanto Moisés quanto Noé são figuras bíblicas). Se fosse inserido o nome “Donald Trump” em vez de Moisés, você provavelmente iria notar a diferença pois isso iria acionar o gatilho para o Sistema 2.
Este rápido exemplo é uma das coisas que tornam os seres humanos extremamente manipuláveis. Não tem como estarmos atentos a cada mínimo detalhe o tempo todo… Seria desgastante.
Outro gatilho mental que vemos o tempo todo no filme A Onda (e que usamos muito no nosso dia a dia sem notar) é a aprovação social. Trata-se basicamente do conceito de sermos parte integrante de um grupo. E para você que assistiu, ou vai assistir A Onda, é muito recomendado ver este vídeo:
Se você assistiu ao vídeo sobre Aprovação Social, vai perceber que muitas pessoas que se consideram inteligentes usam frequentemente seu Sistema 1 para tomar decisões aparentemente simples, mas que mudam significativamente o rumo de nossas vidas e o futuro de todo um país. Veja o exemplo do filme: uma simples classe começou a criar regras, dialetos, sinais de reconhecimento… E isso chamou a atenção de outros alunos que, vendo aquilo, quiseram fazer parte também sem se questionarem até que ponto aquilo era ético ou não.
Dessa maneira, os seres humanos acabam agindo como animais, sem ao menos tentar pensar e apurar melhor (um material importante para você é o livro apresentado na imagem ao lado – trata exatamente desses gatilhos a que estamos todos expostos diariamente).
Recentemente vi de perto um ocorrido na viela ao lado de minha casa: algumas crianças (em torno de 10 anos) começaram a bater em um homem de uns 35 a 40 anos, servente de pedreiro, acusando-o de ser “pedófilo”.
Logo depois os transeuntes (inclusive uma senhora) que passavam por perto começaram a chutara cabeça dele sem nem questionar os fatos (apenas seguiram “a onda”, e imitaram o que a maioria estava fazendo, gritando o tempo todo “pedófilo”). O homem já estava paralisado de tanto apanhar, e um senhor pegou um pedaço de madeira e quebrou nele.
Não muito tempo depois, a polícia e uma ambulância chegaram. No dia seguinte perguntei para algumas pessoas sobre o real ocorrido, e descobri que de pedófilo ele não tinha nada. Apenas esteve, nos últimos dias, trabalhando na reforma de um banheiro público que fica em frente a uma creche, e por ser um estranho perto de crianças, os irmãos mais velhos dos alunos da creche fizeram o que fizeram. Depois do atendimento médico e de uma breve conversa com a polícia, ele foi liberado do posto de saúde.
Este simples exemplo é apenas uma parcela pequena (e com um final não tão trágico) do que acontece em massa em todo o mundo, apenas porque a massa de seres humanos seguem a onda.
Voltando ao filme A Onda, é incrível como o professor Rainer Wenger (interpretado pelo ator Jürgen Vogel) foi capaz de produzir, em apenas uma semana, aquele cenário fascista. E o experimento dele acabou não se limitando somente a uma classe: se espalhou, de fato, como uma onda. Primeiro atingindo os outros alunos da escola, e em seguida ultrapassando os muros. Se tem uma coisa de que eu tenho certeza é que a inteligência humana só é ativada com estímulos específicos. De resto, somos burros mecânicos em tempo integral, com a falsa sensação de estarmos no controle.
Um experimento bem interessante sobre ligar o Sistema 2 (mostrado no livro Rápido e Devagar), foi feito em uma universidade onde os participantes recebiam perguntas aparentemente fáceis de ser respondidas com o Sistema 1, mas que na verdade exigiam esforço do Sistema 2 para serem respondidas. Então fizeram a seguinte variação: depois de dividido o grupo de pessoas, para metade delas foi dado um papel com as perguntas com uma letra ruim de se ler (meio apagada, exigindo um esforço maior para se entender), e para o outro grupo as letras eram bem maior e perfeitamente legíveis.
A Netflix tem também uma série original baseada neste filme: Nós Somos a Onda.
Filme lançado em: 21 de agosto de 2009 (no Brasil);
Dirigido e produzido por: Dennis Gansel e Christian Becker;
Nacionalidade: Alemanha (o país que sofreu com a ditadura de Adolf Hitler);
E então? Você tem ido mais na onda do que a sociedade impõe sem nem perceber? Está seguindo mais o seu Sistema 1 do que o Sistema 2? Conte para nós o que achou deste filme, e como você enxerga este experimento em nossa realidade.
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mano eu assistir esse filme hoje no meu curso e´muito bom eu achei muito legal e importante também
Muito atual esse post.
O Brasil está passando por um momento que aparece um candidato, aparentemente, com o mesmo diagnóstico do filme. Salvador da pátria, desde que não haja oposição.