Longas e Curta-metragens

Amizade Dolorida Netflix (2019): Análises, teorias e BDSM

Se olharmos apenas o nome da série Netflix, Amizade Dolorida (Bonding, no original), fica a impressão de que estamos diante de algum tipo de drama entre dois amigos apaixonados. Acontece que a coisa não é bem assim…

Amizade Dolorida Netflix conta a história de dois amigos de longa data que precisam lidar com suas verdadeiras identidades. Os personagens são bem fáceis de se entender, e isso acaba fazendo com que a série seja cativante (assista aqui).

Além disso, todos os episódios somados não dão nem 2h (uma pena), o que facilita para que seja maratonada rapidamente (semelhante ao que vimos em Special, que também é bem legal e super rápida).

Fantasias sexuais insanas em BDSM

Para começar, o que é o BDSM que a protagonista Tiff fala? Bom, de um modo bem genérico, essas letras referem-se a Boundage, Disciplina/Dominação, Sadismo e Masoquismo. E, assim como você pode ter notado na série Netflix Amizade Dolorida, tem bastante a ver com uma satisfação pessoal que é realizada fora dos olhos das pessoas comuns do dia-a-dia.

Por não ser praticante de BDSM, eu não sou exatamente a melhor pessoa para falar disso, mas mesmo assim arrisco aqui a comentar que a série Amizade Dolorida, apesar do nome original “Bonding”, não retrata o mundo BDSM como realmente é. E isso porque mostra coisas tão leves que muitos dos praticantes assíduos sequer consideram como tal (baseio essa minha afirmação em comentários que li em fóruns de praticantes). O livro erótico 50 Tons de Cinza, da autora E. L. James, recebeu comentários semelhantes quando afirmaram que “aquilo que o Sr.Gray faz em seu salão de jogos não é nem de perto o verdadeiro BDSM” (claro que isso vai depender do gosto de quem pratica).

Mas, se formos levar em consideração que Amizade Dolorida é uma série Netflix com foco na amizade e na evolução das identidades das personagens Tiff (Zoe Levin) e Pete (Brendan Scannell), e com público-alvo adolescente, não caberia mesmo uma contemplação real de tudo o que envolve o BDSM (a não ser que tornassem a série proibida para menores e aumentassem a duração dos episódios).

Para quem acha que deveria haver mais sobre isso, cabe dizer que a série abre portas para que pessoas pesquisem e compreendam melhor este estilo de vida. Uma possibilidade de que o preconceito comece a diminuir.

As fantasias que alguns dos personagens mostram (Fred com a humilhação, Rolph como escravo e Daphne com o sadismo) podem parecer insanas e fora da realidade. Talvez tenha até quem ache aquilo forçado. Mas a realidade deste universo é bem mais densa do que imagina. E por “denso” quero dizer que esses fetiches vão bem além de ser urinado ou espalmado por uma dominatrix vestindo vinil preto.

E, por mais contraditório que possa parecer, o BDSM é uma prática que exige de seus participantes total discrição, consentimento, confiança e respeito mútuo. Mesmo que o desejo da pessoa dominada seja, por exemplo, ser humilhado (tal como vimos na cena de “batismo” de Pete, logo no primeiro episódio de Amizade Dolorida), existe sempre um limite para isso. E os limites são estipulados por uma palavra-chave ou senha. Se o dominador estiver indo longe demais, a palavra-chave deve ser dita (Amizade Dolorida mostrou isso também), e o dominador irá parar no mesmo instante o que quer que estiver fazendo.

Como falei do assunto de BDSM de uma forma muito amadora e superficial, se tiver interesse em dar uma pesquisada a mais recomendo este artigo do blog Papo de Homem.

Dominatrix é uma prostituta BDSM?

A confusão que Pete demonstra logo no início, quando descobre o verdadeiro trabalho da amiga Tiff, é a de muitos: a pessoa que trabalha realizando este tipo de fetiche é como uma prostituta BDSM?

E a resposta é: não necessariamente (se bem que, não há problema nenhum em ser profissional do sexo – a série Special falou rapidamente sobre isso). Ser uma dominatrix (também conhecida como Domme) tem mais a ver com a libertação da vergonha, assim como a própria Tiff definiu.

Mas a dúvida que ainda resta a muitos é: existe sexo? E é aí que a coisa varia muito, já que diferentes pessoas lidam de formas diferentes com cada situação. No caso de trabalhos como o de Tiff, não há penetração (ao menos, ela não é penetrada… pois se o dominado quiser isso, é outra história). Mas essa coisa de sexo no BDSM está mais para uma consequência, e não uma regra. É como uma festa: as pessoas vão até lá para curtirem e se soltar. Se acontecer de conhecer uma pessoa legal, e acabar rolando… Bem, aí rolou, ué!

Esse choque de valores que a série Netflix Amizade Dolorida nos causa é proposital. Mesmo com cenas bem leves, faz algumas pessoas corarem e, consequentemente, pensarem sobre suas próprias identidades e preconceitos. E esse é o primeiro passo para se quebrar o estigma do sexo (inclusive, sobre isso, gostaria de lhe convidar a ler meu livro homoerótico, Anjo Negro, que também lida com a autodescoberta).

A partir daqui, aviso que existem alguns spoilers da série Amizade Dolorida Netflix. Se ainda não assistiu, dê uma checada lá e depois volte para conferir o restante do artigo.

Liberdade em si mesmo

Já tem um tempo que a Netflix vem lançando séries que falam sobre a diversidade e aceitação (não apenas LGBT, mas de si mesmo de uma forma geral). Temos exemplos como Special (que já citei acima), Sex Education, Alguém Especial, Megarrromântico, Dumplin, Alex Strangelove… E agora a série Amizade Dolorida chega ao catálogo para falar de uma outra saída do armário: o de nossos estranhos desejos guardados a sete chaves. Essa é uma prisão social sufocante que nos obriga a agir de determinada maneira até quando estamos sozinhos num banheiro.

A lista do que “pode” ou “não pode” é imensa, e muitas dessas coisas beiram o ridículo (como, por exemplo, achar que a masturbação não é saudável, ou que é “pecado” se dar prazer – isso apenas para falar do mais simples). A série Amizade Dolorida vem desconstruir diversos desses (pre)conceitos, inclusive sobre o patriarcado sexual, visando a igualdade dos gêneros (isso é citado pela própria Tiff, no segundo episódio).

Essas máscaras que precisamos vestir perante a sociedade ajudam a conviver no dia a dia com outros seres humanos. É algo necessário para a boa convivência entre as pessoas. O problema é quando isso se estende para todos os aspectos da vida privada, anulando cada vez mais seu verdadeiro “Eu” a ponto de sufocar-se dentro de um armário. E não apenas o armário LGBT. É uma coisa mais profunda, sobre a liberdade de ser você mesmo (desde que não interfira no livre arbítrio e bem-estar do próximo). Se houver consentimento e respeito, libertar-se é algo bom.

Você acha que o roteirista de Amizade Dolorida, Rightor Doyle, colocou a protagonista como uma estudante de psicologia por acaso? Pode ter certeza que não. O fato de Tiff estudar psicologia é uma chave importante para compor a personagem, já que toda a série gira em torno do tema da autodescoberta e autoconhecimento. E não é isso mesmo que os psicólogos fazem? Ajudar as pessoas e se encontrarem no meio de toda essa bagunça da vida?

E já que estamos falando de escolhas do roteirista para os personagens, você reparou como Charles, o professor de Tiff, não sabe respeitar limites? Toda a série fala sobre o BDSM (que tem como base principal o respeito dos limites entre os envolvidos) e a descoberta dos próprios limites e extrapolação das próprias amarras. O professor Charles (e também Trevor, que surge no último episódio querendo “comprar” Tiffany) estão na série como exemplos de pessoas que foram além de seus limites, invadindo o espaço de outras pessoas através do abuso sexual.

Então, a série Amizade Dolorida vem mostrar esse conceito de assumir a própria identidade, mas sempre com o respeito ao próximo.

Amizade colorida e dolorida

Para quem ainda não tinha percebido, o título “Amizade Dolorida” é uma brincadeira com o termo de “amizade colorida”, que é quando dois amigos são muito próximos e acabam tendo algum envolvimento (seja apenas beijos, ou até o sexo), mas continuam apenas sendo amigos.

Aconteceu isso com Tiffany e Pete quando, na formatura do ensino médio, ela acabou avançando o sinal vermelho dele (mais uma vez a série falando sobre extrapolação de limites). Aquilo que ela fez no passado acabou estragando temporariamente a relação deles (tanto que se afastaram por um tempo), mas era uma forma conturbada de ela retribuir algum afeto. Ela mesma revela que, como todos queriam dela apenas sexo, era só isso que ela sabia dar.

Apesar de falar de coisas muito importantes, a série Amizade Dolorida não aprofunda tanto nas questões dos personagens. Os poucos episódios poderiam ter sido melhor aproveitados ao mostrar um pouco mais sobre eles (como voltaram a se falar depois de tantos anos, por exemplo). Da forma como foi feito, dá a impressão de que um filme apressado foi cortado em partes e disponibilizado pouco a pouco em diversos episódios curtos.

Apesar disso, a série vale a pena e trata com respeito os assuntos que são colocados à mesa. Poderia ter sido mais profundo, mais longo e arrebatador? É, poderia, sim… Mas como é tão rápido de assistir, não há desperdício e o tempo vale a pena. Os dois amigos que protagonizam são cativantes, e abraçamos as causas deles ao entender o dilema de cada um.

Vai ter 2ª temporada de Amizade Dolorida?

No fim, Tiff e Pete têm um desenvolvimento interessante e alcançam (talvez fácil demais) seus objetivos iniciais: Pete consegue subir ao palco usando seu alter ego, Mestre Carter, e Tiff revela para toda a classe a bela Senhora May, ao mesmo tempo em que desmascara o professor Charles.

Os ganchos que foram deixados são fortes o bastante para a possível 2ª temporada de Amizade Dolorida, porém a Netflix ainda não se pronunciou a respeito (geralmente eles esperam um ou dois meses para ver a repercussão da série antes de tomarem uma decisão).

Os personagens terminam o último episódio de Amizade Dolorida de forma transformada. Pete, que tinha tanto medo de se mostrar para as pessoas, abraçou de vez a personalidade de “Carter”, e isso deu a ele coragem. Tiff também, no início de um relacionamento com Doug, conseguiu contar quem era sem ficar durante intermináveis episódios enrolando (coisa que às vezes acontece em algumas séries).

Caso a 2ª temporada de Amizade Dolorida venha, podemos esperar uma continuação da evolução do novo Pete (ou melhor, do Mestre Carter), e consequentemente checarmos de perto como isso afetará a amizade (e sociedade) entre ele e Tiff. E algo que eu espero também é que tenha episódios um pouco mais longos, já que esta primeira temporada pareceu ser corrida demais.

Enquanto a 2ª temporada de Amizade Dolorida não chega, dê uma checada em meu trabalho: são livros e contos entre garotos, explorando suas sexualidades de uma maneira romântica. Alguns dos contos são de leitura GRATUITA. 😉

Elenco da série Amizade Dolorida Netflix

Veja abaixo a galeria das atrizes e atores que compuseram o principal elenco de Amizade Dolorida Netflix:

Zoe Levin como Tiff (Senhora May)
Brendan Scannell Pete (Mestre Carter)
Micah Stock Doug
Theo Stockman como Josh
Kevin Kane como Professor Charles
Stephanie Styles como Kate

Você também poderá se interessar por Asim o Vigarista, Chambers, Aurora: O Resgate das Almas, Um Homem de Sorte, Cuckoo, Lunáticos e Rilakkuma e Kaoru.

Sinopse e Ficha Técnica da série Amizade Dolorida Netflix

Título Original: Bonding

Direção e roteiro: Rightor Doyle

Sinopse Netflix: Uma universitária de Nova York que faz bico como dominatrix contrata seu melhor amigo da escola, recém-saído do armário, como seu assistente.

Duração dos episódios: aproximadamente 15 minutos;

País de Origem: Estados Unidos

Classificação etária: 16 anos;

Ano de lançamento: 2019;

Gênero: Comédia romântica, Picante, LGBT;

Trailer de Amizade Dolorida Netflix

https://www.youtube.com/watch?v=MIusDfHWynM

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Lyan K. Levian

Lyan K. Levian é contista e romancista de histórias homoafetivas e homoeróticas, principalmente com foco no público que se denomina "fujoshi" e "fudanshi" (fãs de yaoi/boys love). Conheça os trabalhos de Lyan: www.lyanklevian.com

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