Longas e Curta-metragens

Attack On Titan Shingeki no Kyojin 47: Análise de Kenny e o Poder

O episódio de numero 47 do anime Attack on Titan (Shingeki no Kyojin), que foi ao ar no dia 23/09, nos mostra algo muito profundo e interessante por meio do personagem Kenny Ackerman.

Você já pensou por que você busca poder? Poder que me refiro pode ser hoje em dia resultado vindo da busca pelo dinheiro ou a busca de um cargo de autoridade e destaque.

ATENÇÃO: este post esta cheio de spoilers, e seria importante só consumir este conteúdo depois de ter assistido a este episódio.

Pois bem, Kenny já se considerava o individuo mais poderoso até encontrar alguém que o superou. Eis que então surge o rei Uri Reiss.

Frustrado com sua tentativa de vingança e se encontrando impotente nas mãos de titã de seu oponente surge o pensamento:

Nunca imaginei que houvesse alguém mais forte que eu no mundo…

Uri Reiss, o rei condolente

A motivação de Uri, de início, seria descobrir o dedo-duro dentro do Conselho que passou informações ao Kenny. Porém, ele percebe que não vai conseguir arrancar isso à força mesmo com o irmão sugerindo usar seu poder de titã para obter tal informação. Ele admite em voz alta a Rod que as motivações de Kenny de levantar suas laminas estão guardadas apenas com ele por um desejo de vingança.

Neste momento, Kenny Ackerman inesperadamente começa a ameaçar Uri (com cara de louco sádico) e é sincero com relação aos seus sentimentos mostrando assim todo seu rancor, mesmo sabendo que aquela provocação decerto iria lhe custar a vida. Sabe aquela sensação de “Ah! Vou morrer mesmo, então foda-se!“? Para ele foram como ultimas palavras antes de ser esmagado como um inseto.

Logo em seguida, quando terminou de esbravejar, ficou paralisado. Não pela morte, mas pela atitude de seu inimigo. O rei Uri, em vez de esmagá-lo, simplesmente o soltou.

A cara que Kenny fez ao ser solto foi impagável. Aquilo bateu fundo nele. É simplesmente desconcertante quando se espera violência, e em vez disso vem tolerância e compreensão.

Uri, por sua vez, foi tocado pela franqueza de Kenny e entendeu que era culpado de tamanha dor de seu oponente. Além de soltá-lo, ainda teve a coragem de se ajoelhar e pedir perdão mesmo diante de uma arma apontada para si. Kenny tremia igual vara verde, e o mero impulso poderia fazê-lo disparar contra Uri.

Kenny foi tocado fundo pelo amor verdadeiro. Talvez se esse amor não viesse em um momento onde estava sendo humilde consigo mesmo em admitir sua inferioridade, não o teria o afetado tanto. E, principalmente, vindo da pessoa mais poderosa e que ele mais odiava! O contraste foi tamanho que gerou um choque único.

Apesar de arrogante, no fundo ele se sentia um lixo. Veja o que ele próprio disse ao ponderar sobre seu passado:

Agora que penso nisso, vejo que o rancor da minha família não significava muito para mim.

Para um rei com tanto poder se ajoelhar perante um lixo como eu… Só o seu titã já tinha me chocado o suficiente, mas ele fazer isso fez tremer algo dentro de mim, como nunca antes.

Veja a cena completa:

A partir deste ato, o rei Uri gerou em Kenny um vínculo de admiração profunda.

Veja abaixo o diálogo com Sannes:

Kenny: Ei, Sannes, parece que admira o Rei com uma loucura.

Sannes: Por isso que eu fui capaz de cumprir qualquer trabalho que ele me pediu. Você é diferente? Por que você se curva ao rei?

Então Kenny responde, sem entender o que é o amor:

Eu não sei (lembrando da cena em que Uri se curva perante ele)… Talvez por ele ser o mais poderoso aqui“.

A força do amor

Kenny acreditava que só quem estava no topo poderia obter poder verdadeiro. Por este motivo que ele, mesmo sem perceber, conseguiu ser tocado pela grandiosidade do amor: porque veio de alguém mais poderoso que ele próprio, e num momento certo. A humildade gerada pelo reconhecimento de sua impotência ajudou na absolvição. Não vejo como uma pessoa como ele poderia ser atingido de outra forma.

Gente arrogante ou rancorosa perde a sensibilidade em ouvir a si próprio com honestidade. A ilusão que gera de si próprio cria um escudo natural de qualquer coisa boa que tente entrar. É como um rei que não conhece seus limites e erros até que alguém gabaritado possa mostrar. Se não passar nos testes de julgamento, o escudo é ativo e qualquer coisa que venha é descartado como lixo.

Afinal quem nunca deixou de ser ouvido só por ser jovem demais, velho demais, pobre, etc…?

Veja a justificativa do próprio Kenny sobre “quebra de escudo”, admitida na conversa que teve com o rei Uri Reiss já velho:

Uri: Você acredita em violência, não é? É uma verdade inevitável de nosso mundo. No entanto… quando estávamos um contra o outro, o que nos tornou amigos? Foi a violência?

Kenny: Eu sei lá. Mas se não tivesse me espremido naquela sua mãozona, eu teria enchido sua cabeça de merda. Foi por isso que nos tornamos “amigos”, sabia?

Uri: Sim, uma verdade inevitável. Mesmo assim eu… eu acredito no milagre que aconteceu naquela hora.

Nessa conversa Kenny descobre que o poder incrível do rei Uri poderia ser passado para outra pessoa. Ao saber disso começa a fluir em seu interior uma inquietação profunda que aflora de inicio como uma dúvida. Uma pergunta do tipo “Seria aquela dádiva sobre amor e paz possível a alguém como eu?“.

Veja suas falas abaixo:

A filha de Rod pregava a todos que ouvissem. Sobre amor, paz e tudo isso, como ele. Como encontrava tempo para falar sobre essas bobagens inúteis? É porque era tão poderosa que podia se dar ao luxo? Se alguém obtivesse esse poder, eles não seriam iguais também? Por exemplo… eu?

O Poder e nossa identidade

Sua dúvida era uma fagulha de esperança do tipo: “será que Poder pode me salvar do que sou? ” (pois ele se considerava um lixo de pessoa). Acho que todo ser humano, em algum momento da vida, sente-se um lixo e gostaria de ser outra pessoa. Essa vontade às vezes se manifesta com o novo estilo de roupa que passa a comprar, ou algum outro item que começa a consumir. Tudo para tentar mudar a identidade.

Quando compramos alguma coisa, não queremos a coisa em si, mas sim o que ela nos faz sentir. Todo consumo é uma experiencia: existem experiencias de consumo do qual o beneficio não é obtido pelo que foi comprado, mas só com o “ato” de comprar. Sentir que tem o poder de comprar, e ir lá para comprar de fato, pode vir a ser toda a experiencia que move um mercado. Por isso temos tantos objetos acumulados, e mesmo assim ainda queremos mais. No fim, queremos “poder”, sim: poder comprar tudo (risos).

Pensando e viajando nessa palavra “poder”, seu significado é: “Ter a faculdade ou a possibilidade de“.

Então vamos a um grande parenteses citando uma série:

Breve ponderação de trecho de Ozark

Na série Ozark, da Netflix, logo na cena inicial algo me chamou muito a atenção e acho que cabe aqui. É uma reflexão sobre dinheiro que achei bastante verdadeira.

Segue a transcrição da cena:

Grana, tostão cascalho, prata, conto, pila, tutu, din din, bufunfa, verdinha, dinheiro. O que separa o ter, do não ter.

Mas o que é dinheiro? É tudo se você não tiver, não é? Metade dos norte-americano tem mais dívidas no cartão do que dinheiro na poupança. 25% não tem poupança nenhuma, e apenas 15% da população se prepara para bancar ao menos 1 ano de aposentadoria.

O que isso sugere? Que a classe média está evaporando? Que o sonho americano está morto? Vocês não estariam aí sentados me ouvindo se isso fosse verdade. Eu acho que a maioria das pessoas tem a visão errada sobre o dinheiro. Ele é apenas uma unidade de troca para bens e serviços. 3,60 por uma caixa de leite, trintinha pra cortar a grama…

Ou será que ele é abstrato? Segurança? Felicidade? Paz de espirito?

Deixa eu propor uma terceira opção: dinheiro como ‘unidade’ de medida. Sabe a quantidade de grana que acumulamos na vida, não é determinado pelo presidente, pela economia, por bolhas e crises ou pelos chefes. Tem a ver com a forma de produção norte-americano, o que tornou os EUA o maior pais do mundo. Tem a ver com ir contra a opinião da mídia sobre o que te torna um bom pai, é ter que faltar no jogo, na peça do concerto, porque você decidiu trabalhar para investir no futuro da família, alem de assumir a responsabilidades pelas consequências desses atos.

Paciência, parcimônia e sacrifícios. Se pararmos para pensar, o que essas três coisas tem em comum?

Elas são escolhas.

Dinheiro não é paz de espirito. Dinheiro não é felicidade. O dinheiro é, na sua essência, o que mede as escolhas de um homem.

Veja a cena da transcrição acima:

Levando em conta a afirmação de que “o dinheiro é, na sua essência, o que mede as escolhas de um homem“, o paralelo de dinheiro para Kenny Ackerman seria o poder que Uri Reiss tem. Ele não quer o Poder em si, mas sim o que esse Poder poderia fazê-lo sentir. Sua visão do poder de Uri seria de uma salvação do seu próprio ser. Lhe doí demais a consciência de que é um “lixo” de pessoa, e o amor de Uri o fez ver o quanto poderia ser melhor. Foi devoto à força diabólica da violência, mas agora buscava ser devoto da força divina do amor. Ele percebeu que a violência não valeu nada quando precisou, e diante de uma batalha com o amor verdadeiro ela foi dilacerada mostrando assim um poder falso.

Segue mais uma de suas falas:

Poder comparável a um Deus… Todos que têm suas mãos naquele poder, de alguma forma ficam condolentes (que tem compaixão, piedade). Seria o mesmo para um merda como eu? Preciso saber. Que sensação é essa? Por este ponto de vista, o que eles realmente veem? Poderia um lixo como eu… ver o mundo da mesma forma que você via?

Seria esse “poder de Deus” bom o bastante para uma limpa interna de si? O desejo por ver as coisas da mesma forma que Uri acabou se tornando uma obsessão nos pensamentos de Kenny.

Kenny e Levi

Quando Kenny está quase morto e poderia se injetar para virar titã na frente de Levi, tiveram a seguinte conversa:

Levi: Você teve tempo e força para se injetar. Por que não fez isso?

Kenny: Sim.. Por que será? Se eu não injetasse direito, poderia acabar como ele: sem esperança nenhuma.

Levi: Eu sei que não está sentado aqui esperando morrer. Não tem uma desculpa melhor?

Kenny: Eu… Não quero morrer… E eu queria poder. Mas… eu entendo… Depois de tanto tempo, acho que entendi porque ele fez aquilo (lembrando da cena do Uri ajoelhando).

Levi: Hã?

Kenny: (ri de uma forma triste) Todos que eu encontrei… foram iguais. Bebida… mulheres… um Deus, ou mesmo família… O rei.. sonhos… filhos… poder… todos tinham que estar embriagados com alguma coisa para continuarem. Todos eram escravos de alguma coisa. Mesmo ele (lembrando de Uri)… E o que é você? Um herói?

Levi: Kenny, me diga tudo que sabe! Por que o primeiro rei não deseja a sobrevivência da humanidade?

Kenny: Não sei… mas… Nós, Ackermans, fomos contrário a ele… por este motivo.

Levi: Meu ultimo nome também parece ser Ackerman. Você… o que era da minha mãe?

Kenny: ah… seu idiota… só irmão dela.

Levi: (lembrando da cena do abandono) Naquele dia… Por quê? Por que me abandonou?

Kenny: Porque… eu não podia ser… pai de alguém.

Cena completa:

No fim, Kenny conseguiu o que ele tanto queria mesmo sem se transformar em titã: aceitar sua morte e ser condolente com relação ao estrago que poderia ter feito se tivesse transformado. Ele buscava se perdoar, e parece que conseguiu em seus últimos momentos ter a visão que ele tanto queria.

Eu achei esse episódio simplesmente excepcional pela quantidade de símbolos e informações que nos mostra para serem aplicados em nossa própria vida.

Motivação, objetivo e metas nada mais é do que aquilo que move o ser humano a algum lugar. Uma embriaguez que muitas vezes nos gera culpa porque, ao escolher seguir algo, você acaba sacrificando outras coisas. O fato de escolher é por si só doloroso, e gera ansiedade ao não desapegar do que precisou ser deixado de lado.

No fim, todos somos realmente escravos de alguma coisa.

Deixe seu comentário e vamos falar a respeito.

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Jerry

Administrador do blog Interprete-me, Jerry D. Blodgett tem paixão pela literatura subjetiva e os estudos da filosofia e psicologia. Sempre que possível, faz pontes entre a reflexão interior e o entretenimento.

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