A Netflix recém lançou seu novo longa-metragem original: Caninos Brancos (White Fang), que foi baseado num clássico livro homônimo escrito por Jack London em 1906.
A animação tem uma trilha original própria – maravilhosa –, e uma arte diferente do que estamos acostumados a ver dos famosos da Dreamworks ou Pixar. Chega a ser apaixonante, e lembra muito alguns dos jogos indie que vemos por aí.
Como não tive a oportunidade de ler o livro com a história original de Caninos Brancos, o que vocês vão ler se baseia unicamente na versão da Netflix.
Por se tratar de uma análise com base na Jornada do Herói, este artigo contém spoilers da animação.
Indice
Se formos analisar a história do meio-lobo Caninos Brancos com base na Jornada do Herói, perceberemos que ele tem uma jornada dupla, ou seja, de certa forma é possível enxergar duas “aventuras” nesta animação. E isso é notável porque no início há uma dualidade de suas realidades: primeiro a rinha de cães. E segundo, a vida de filhote com sua mãe.
É claro que isso também pode ser apenas um ponto de vista, e achei interessante comentar para que possamos enxergar tudo de mente aberta e também para ilustrar o fato de que a Jornada do Herói não é um trilho fixo. Por esse motivo, ao longo deste artigo eu irei avançar e voltar no tempo várias vezes para poder mostrar como a Jornada do Herói se apresenta duplamente nesta animação.
Mas voltemos à jornada de Caninos Brancos. É interessante notarmos aquela espiada que ele dá para a lua logo de início. Como aqui os personagens animais não falam, precisamos prestar mais atenção a esses mínimos detalhes: a lua trouxe a Caninos Brancos a lembrança de sua infância, e dos bons tempos, quando a vida não era dolorosa. Sua vida selvagem.
É exatamente isso que o Mundo Comum nos apresenta, quando volta no tempo para vermos Caninos Brancos ainda filhote, ao lado de sua mãe.
O aparecimento do lince não apresenta um “chamado à aventura”, nem um cenário de “testes, aliados e inimigos”. Afinal, essas rivalidades são comuns no meio animal. Seja na busca por comida, na briga por território ou acasalamento.
É verdade que podemos ver essa dificuldade toda como a entrada no “Mundo Especial” (onde os novos desafios surgem), mas isso apenas do ponto de vista de um filhote recém nascido. A intenção dessa animação foi mostrar, nesta parte inicial, que o mundo selvagem é assim mesmo, e ponto. O menor descuido pode te transformar em comida de águia, jantar de lince, resultar num afogamento ou mesmo em morte por inanição.
Bem vindo à vida selvagem.
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O chamado é quando o protagonista adquire algum nível de consciência de um problema novo, fora de sua realidade (fora do “mundo comum”).
Caninos Brancos passa por isso mais de uma vez, pois o próprio processo de crescer (junto à tribo indígena) o levou a alguns desses chamados. O principal deles, antes da separação dele com a tribo, foi a partida de sua mãe.
Mas analisando a animação como um todo, esse chamado veio no momento em que ele derrotou um cão de rinha para defender seu amigo índio. E aqui tem algo interessante para notarmos: o chamado aconteceu mais para Castor Cinzento (o índio, líder da tribo) do que para Caninos Brancos. E isso porque o humano tem uma consciência maior do que está acontecendo à sua volta, enquanto que Caninos Brancos não compreende a linguagem humana, e apenas se percebe em nova situação quando já é tarde demais.
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A única coisa que o manteve ali foi sua mãe.
Com isso, ele conquistou seu “direito” de liberdade, e Castor Cinzento passou a tratá-lo como um lobo livre, um companheiro que pode ir e vir quando quiser.
E essa liberdade é cruelmente retirada dele quando é vendido para o organizador de rinhas, Beleza Smith. Caninos Brancos sequer tem como ter uma “recusa do chamado”, e o máximo que faz para demonstrar sua relutância é rosnar para o novo dono. Até aí, ele é rebelde e não atende a ordens.
O primeiro encontro de Caninos Brancos com o policial Marshal Weedon Scott (quando ainda filhote) pode ser considerado como um “pré-encontro” com um mentor, já que essa etapa da jornada indica uma superação interna da relutância do protagonista. Quando ele conhece o oficial de justiça, entende que um humano pode ser bondoso.
Mas existem outros “encontros com o mentor” mais fortes, aqui.
O primeiro deles é com o cacique da tribo. Ele guia Caninos Brancos, conversando e ensinando à sua maneira como se virar sem a mãe.
O segundo encontro com o mentor é, acreditem se quiser, quando ele apanha do homem com a bengala. Quando ele é “treinado” a temer a bengala para obedecer as ordens de quem empunhá-la. Afinal, por mais cruel e odioso que tenha sido aquilo, foi exatamente o que fez ele aceitar o chamado para se tornar cão de rinha.
O cruzamento do limiar vem exatamente neste momento de aceitação. Geralmente é um dos estágios mais rápidos da Jornada do Herói, muitas vezes marcados apenas por uma frase ou um gesto. O importante é compreender que aqui, quando Caninos Brancos entende que o portador da bengala é seu “mestre”, ele está cruzando um doloroso limiar para aceitar sua nova situação.
É quando ele entra no “mundo especial”, delimitado pela etapa seguinte.
Lembra-se de quando ele ficava apenas assistindo sua mãe puxar as toras, e depois foi por si mesmo fazer a tarefa? E de quando ele impôs respeito entre os cães de trenó, e passou a liderá-los?
Em todos esses momentos ele estava testando o “mundo especial” e aprendendo como lidar em novas situações.
E, lembra-se da olhada que Caninos Brancos deu para a lua antes de a briga da primeira cena ter início? Provavelmente ele tomou uma decisão de acabar tudo ali. Não é possível ter certeza, mas aparentemente ele não revidou os ataques dos dois cachorros. Deixou que o pegassem, como forma de protesto. Um “basta”.
O encontro com o policial e seu período na fazenda também faz parte desta etapa da jornada do meio-lobo Caninos Brancos, onde ele finalmente encontra alguém em quem confiar – embora a própria estadia lá tenha sua própria jornada (ele se vendo num lugar estranho, conhecendo a esposa do policial, entendendo seu papel ali, etc).
É neste ponto que algo suplica dentro do protagonista. Ele sente que aquele não é seu lugar, e visita com frequência o mirante para admirar sua antiga morada, mas sabe que ainda não é o momento de voltar para casa. Entende que ainda existe algo a ser feito, mesmo que não entenda bem do que se trata.
É exatamente num destes momentos com seu amigo policial que algo acontece. A provação máxima vem sem aviso e Caninos Brancos salva Marshal de um criminoso fugitivo, e ainda precisa encarar seus antigos domadores.
Na animação Netflix de “Caninos Brancos” a transição dessas etapas (aproximação da caverna, provação, recompensa e caminho de volta) acontece de forma rápida, pois tudo faz parte de uma única cena.
Com a necessidade de ajudar seu amigo, Caninos Brancos acaba também encarando seu maior medo – o portador do cajado –, e com isso tem sua vingança pelo que seus antigos donos fizeram.
A recompensa que ele carrega é toda a sua experiência e a nova coragem. Ele conheceu um mundo melhor, viu que as coisas poderiam ser diferentes… E não quer voltar à vida anterior, como escravo de lutas.
E quem é o maior inimigo de Caninos Brancos? Bem, não importa quem carregasse… Aquele que portasse a bengala, era seu “líder”. E é contra essa liderança forçada que Caninos Brancos luta quando quebra a bengala. É seu grito de liberdade. Ele prefere morrer a ter que voltar a obedecer aquilo.
E, se não fosse essa atitude, a família a qual ele se apegou poderia ter sofrido gravemente.
Quando ele finalmente se despede, sente-se revigorado. Como se tivesse voltado à vida. Aquele é o lugar dele… O mundo de onde ele veio, quando filhote, com sua mãe.
Quando ele retorna, tem toda uma bagagem nova que nenhum outro lobo teria. Ele viu de tudo o que poderia ver, e sabe como lidar nos dois meios: o humano e o selvagem.
Se dali ele irá voltar à aldeia? Provavelmente não, a não ser que sinta fome, como bem disse Castor Cinzento, em sua primeira aparição.
Para alguns pode ser triste pensar isso, já que gostamos de ver reencontros. Mas uma das coisas que gostei muito nesse original Netflix foi a forma como os animais foram retratados: da forma como os vemos na natureza. Eles não falavam com humanos, nem entre si (ao menos, não com a nossa linguagem, como acontece em animações infantis). Todas as formas de comunicação eram autênticas, e a compreensão que ele tinha do mundo humano parecia vir de uma conexão espiritual entre os personagens.
De fato, uma animação apaixonante.
Outras animações que podem lhe interessar são Kulipari: No Mundo dos Sonhos, She-Ra e as Princesas do Poder e Next Gen. Além disso, recomendamos também o live action Netflix Mogli Entre Dois Mundos.
Sinopse 1: Metade lobo, metade cachorro. 100% amigo. E uma jornada incrível contada de seu ponto de vista.
Sinopse 2: Movido pela curiosidade, um leal cão-lobo embarca em uma grande aventura na companhia de três donos muito diferentes.
Classificação etária: 10 anos;
Duração: 1h 27min;
Ano de lançamento: 2018;
Gênero: Drama, Família;
Roteiro: Jack London (autor da história original), Serge Frydman, Philippe Lioret, Dominique Monféry;
Direção: Alexandre Espigares;
O que achou da jornada do meio-lobo Caninos Brancos? Você já tinha visto a história por este ângulo? Enxergou algo a mais da Jornada do Herói que passou batido?
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Tbm gostei muito do filme