Longas e Curta-metragens

Teorias Black Mirror: Bandersnatch Netflix – Mapa, Easter Eggs, Finais

O episódio especial e filme-evento interativo de Black Mirror: Bandersnatch tem explodido mentes por aí. Apesar de o conceito de múltipla escolha não ser exatamente uma novidade na Netflix (existem alguns infantis disponíveis aqui, aqui e aqui), o fato de ter sido um título adulto, e justamente Black Mirror a receber tal experiência, foi sem sombra de dúvidas algo digno de barulho.

Black Mirror é uma produção que, mesmo na forma linear e sem interação, nos instiga e principalmente incomoda. Por mais que uma pessoa ame Black Mirror, ela sempre ficará com algumas pulgas atrás da orelha após um episódio. Isso porque este título (não apenas Bandersnatch, mas toda a série) tem o poder de pegar as maiores feridas e vergonhas da sociedade e expor sem pudores. Black Mirror é como uma lupa que, além de identificar as partes podres de uma sociedade alienada, ainda as evidencia, fazendo com que o odor desagradável das verdades que queremos esconder fique evidente, diante de um poderoso ventilador.

E por isso que muitos amam, e outros odeiam Black Mirror: nem todos conseguem suportar as dores de enxergar a verdade crua para as quais fechamos os olhos diariamente.

E não é só porque esta série é fictícia que não está de acordo com a realidade.

Está. Até demais.

Bom, com tudo isso dito, acho importante ressaltar que esta reflexão sobre Black Mirror: Bandersnatch vai estar recheada de spoilers fortes. Se você já navegou/jogou esta produção original Netflix e já encontrou algumas diferentes possibilidades de finais, seja bem-vindo. Mas se está procurando por uma resenha sem spoilers, recomendamos que leia este artigo.

Caso ainda não tenha visto, assista aqui.

Dito isso, vamos à viagem…

Aumento de consciência de Stefan e Colin

Me fascinou muito o fato de, ao longo da narrativa, o protagonista ir demonstrando uma consciência cada vez maior de estar sendo controlado.

Mas isso começa de forma sutil.

A primeira grande escolha é sobre trabalhar ou não na empresa Tuckersoft. Pelo que tenho visto por aí, a maioria esmagadora de espectadores escolhe aceitar, logo de cara. Eu também escolhi a opção “Aceitar” (parecia insano recusar a oferta). E então vem o primeiro choque: Colin Ritman afirma que Stefan escolheu o caminho errado.

Ok, vamos deixar de lado as reclamações de que “a Netflix está tirando meu livre-arbítrio”. Afinal, se você prestar atenção, é aí que começa a genialidade de Black Mirror: Bandersnatch. Temos nesta pequena fala de Colin o primeiro sinal de sua consciência sobre realidades paralelas. E então, quando Stefan volta e refaz todo o percurso, a cena muda! Tanto Colin quanto Stefan demonstram um nível de consciência maior daquela realidade, no momento em que se apresentam, mesmo que não saibam bem como isso é possível.

Depois disso, mais e mais exemplos disso vão sendo dados, e Colin chega a explicar a Stefan sobre as realidades paralelas. Num dado momento, caso você tenha se aventurado por algumas das escolhas sobre pular ou não do prédio, Colin irá retornar e, ao se apresentarem numa nova realidade, ele dirá “Eu não disse que nos veríamos de novo?”.

Ou seja, diferente de Stefan, que percebe que está sendo controlado sem se dar conta das realidades, Colin vai criando uma certa experiência ao longo das linhas narrativas, e mostra que está ciente de quase tudo. Ele sabe que aquela não é a primeira vez que se apresentam.

É de nos fazer pensar.

Caso este cartaz pareça familiar (mas não se lembre de onde), dê uma checada no episódio S4E5 de Black Mirror

Nossa viagem pelas realidades e o conceito do: E SE?

Em muitas das realidades, o jogo Bandersnatch de Stefan recebe notas deploráveis. Mas, caso você tenha se aventurado por aquela em que ele esquarteja o pai, verá que é a realidade em que o jogo Bandersnatch consegue a nota máxima: 5/5.

Em todas as outras realidades Colin estava atado a muitos medos e conceitos, desde a perda de sua mãe até as próprias cobranças do pai (para que ele agisse normalmente, para que ele melhorasse).

Ao navegarmos por diversas realidades conseguimos vivenciar uma das coisas que mais nos assola ao longo da vida: E SE eu tivesse tomado aquele outro caminho?

Stefan forra a parede de seu quarto com o fluxograma do jogo Bandersnatch

Bom, em nossa vida isso não é possível (ou seria? Humm…), mas a Netflix nos deu esse presente ao permitirmos que voltemos para checar as outras alternativas.

E se ele seguir Colin?

E se ele se consultar com a doutora?

E se ele pular?

E se ele matar o pai?

E se ele escolher viajar com a mãe, quando criança?

E se? E se? E se?

Enfim. Black Mirror: Bandersnatch nos permite brincar com a linha do tempo de Stefan Butler (“se é que o tempo existe”, como diz Colin Ritman, no início). Com isso, passamos a conhecer melhor diversos aspectos do personagem. E tem gente que reclama que a Netflix não deu livre-arbítrio. Reclamam que tiveram que voltar para refazer o caminho não escolhido anteriormente.

Certo, eles fazem isso até certo ponto. Mas esse fato só ocorre quando chegamos aos finais abruptos (os “finais errados”). É verdade que Black Mirror: Bandersnatch tem 5 finais declarados (que você confere mais abaixo), mas… Se formos somar com os finais abruptos, são mais de dez ao todo.

Em outras palavras: você até tem seu livre arbítrio. O problema é que alguns finais não são exploráveis, por isso a Netflix te joga de volta a uma escolha decisiva: para que você tenha uma experiência completa, conhecendo outras possibilidades.

Quando a Netflix nos permite retornar e testar um caminho diferente, passamos não apenas a ver outras possibilidades, mas também (e principalmente) conhecer outras características da personalidade de Stefan. E isso não seria possível de outro modo (ao menos, não com este roteiro). Isso é perfeito para irmos construindo, em nossa mente bagunçada, uma nova realidade que contém todas as realidades juntas.

Conceito louco, não?

É uma forma perfeita de entendermos alguns dos maiores traumas de Stefan.

E isso nos leva para…

Stefan Butler: Gênio ou maníaco?

Como dissemos no trecho acima, a única realidade em que o jogo Bandersnatch consegue a nota máxima é aquela onde Stefan esquarteja Peter Butler (este é o nome do pai de Stefan).

E veja bem: isso não ocorre quando ele apenas mata e enterra. Essa realidade só é mostrada quando escolhemos um ato mais agressivo e desesperado: cortar em pedaços.

Esse ato brutal do protagonista, semelhante ao que Jerome F. Davis (autor do livro fictício Bandersnatch) fez com a esposa, é como uma libertação macabra de todos os medos e receios. Ao se livrar do pai daquela maneira grotesca, Stefan consegue abrir uma porta mental para uma genialidade nunca antes conhecida. E essa loucura assustadora faz com que os limites dele desapareçam (sobre loucura e limites, recomendamos o artigo sobre o filme Bird Box).

O símbolo desenhado por Jerome F. Davis é o mesmo visto no episódio “Urso Branco”. Representa também uma realidade linear dividida em duas

Ao não ter limites, sua criatividade também pode se libertar, e a genialidade aflora com força total. A partir daqui, o próprio protagonista parece debochar de nós, espectadores, afirmando que no jogo Bandersnatch ele dá a ilusão de escolhermos o destino, mas que na verdade ele que decide o final como bem entender.

A versão “perdedora” de Stefan Butler acaba sendo associada ao fato de o pai estar vivo, pois ele é a fonte de todas as suas inseguranças e bloqueios (sim, é fato que na versão em que ele enterra Peter sua genialidade não aflora, mas isso porque o simples fato de enterrá-lo não fez ele exorcizar seus temores).

Isso mostra como Stefan vem nutrindo um ódio visceral pelo pai desde a morte da mãe.

Essa prisão da criatividade e asfixia da liberdade de expressão de Stefan por culpa do pai acontece com muitas pessoas, e às vezes nem nos damos conta. Isso não quer dizer que devamos sair cometendo homicídios a quem quer que nos arranque os galhos (cruzes, não é isso que estou dizendo), mas sem dúvidas mostra como certas raízes podem ser nocivas se as cultivarmos.

É aí que as terapias entram, ajudando as pessoas a se livrarem do sentimento e do trauma em si (e não do causador deles).

Stefan, porém, só conseguiu se provar um verdadeiro gênio quando deixou seu pior lado aflorar. E não vale colocar a culpa no espectador, hein! Se anteriormente ele se segurou para atos simples como roer as unhas ou puxar as orelhas, poderia ter conseguido se segurar para não se tornar assassino.

Acontece que, lá no fundo, ele queria se vingar do pai.

Os vários finais de Black Mirror: Bandersnatch

Como sabemos, Black Mirror: Bandersnatch tem 5 finais principais. Porém, é possível que você tenha chegado também a alguns finais abruptos, que podem ser considerados como “finais errados”. Com isso, temos uma soma de mais de dez finais diferentes neste filme-evento.

Uma característica que podemos notar é: não importa quais são suas escolhas nem em qual final cheguemos, sempre vai ser trágico (uns mais, outros menos). Se Stefan termina em paz com o pai, o jogo é um fracasso. E se o jogo é um sucesso, o pai está morto e Stefan vai preso. Ou morre. Ou enlouquece.

Se você já conhecia a série Black Mirror antes, sabe que algo assim já era esperado. A intenção dos criadores de Black Mirror é incomodar, provocar reflexões densas e revirar nossas mentes.

Conheça agora os principais finais de Black Mirror: Bandersnatch:

1 – Remake do jogo, por Perl Ritman

Este é o final onde Stefan esquarteja o pai e consegue tempo e inspiração para um jogo 5 estrelas. Mas, como o crime é descoberto, ele vai para a prisão e o jogo é retirado das prateleiras. Anos depois, Pearl Ritman (filha de Colin) encontra um exemplar de Bandersnatch nas coisas do pai, e resolve fazer um remake moderno para a Netflix.

2 – A morte de Stefan

Quando destravamos a possibilidade de adentrar o espelho e ir para o passado (escolhendo “TOY” no cofre do pai), podemos optar por ir à viagem com a mãe. Com isso, tanto ela quanto Stefan sofrem o acidente e morrem, fazendo com que o Stefan do presente morra repentinamente, no consultório.

3 – Luta e loucura

Esta opção é quando escolhemos contar a Stefan sobre a Netflix e, no consultório, ele é levado a lutar com a Dra. Haynes e seu pai para dar mais “emoção” para nós, espectadores. Depois sai arrastado do consultório gritando coisas que, para os personagens, soaria desconexo (afinal, fala sobre nós, os espectadores do século 21). Dá para se dizer que este é um dos finais onde Stefan enlouquece.

4 – Era tudo uma filmagem

Seguindo a mesma linha acima, este final é disponibilizado ao escolhermos pular a janela do consultório em vez de lutar. O que ocorre é que é revelado aos espectadores que tudo era apenas um cenário, e que o ator enlouqueceu ao entrar demais no personagem.

5 – Era tudo um experimento

Este final é visto quando escolhemos PAC (Program and Control) no cofre de Peter Butler. Stefan descobre que seu pai é um agente do governo e estava, com a ajuda da Dra. Haynes, monitorando-o e inserindo traumas artificiais para experimentos de psicologia.

Apesar de estarem os 5 finais principais de Black Mirror: Bandersnatch listados aqui, vale a pena ver por si mesmo cada uma das opções. Afinal, Black Mirror: Bandersnatch se trata principalmente de COMO chegamos aos finais. Ou seja, existem diferentes formas de se chegar aos destinos, e nessas diferentes linhas temporais vamos conhecendo novos detalhes e vendo diferentes linhas de diálogos.

Além disso, há também os finais não principais (os abruptos, ou “errados”), como aquele repentino logo no início (quando optamos aceitar trabalhar na Tuckersoft), a destruição do computador, o suicídio na casa de Colin, entre outros.

Para que se localize melhor e possa fazer uma viagem mais consciente pelas escolhas, confira o fluxograma de Black Mirror: Bandersnatch (ou “mapa de Bandersnatch”) que encontramos no site Imgur. Pelo que notamos, este fluxograma ainda não contém tudo (pequenos detalhes ainda estão desatualizados), mas é o mais completo que encontramos até o momento.

Link para a imagem grande aqui.

Um segredo em Black Mirror: Bandersnatch

Com tantas pessoas testando diferentes possibilidades, algumas já conseguiram destravar uma linha diferente, que acontece logo no final.

Na realidade, não se trata exatamente de um final para Black Mirror: Bandersnatch, mas sim de uma cena comum contendo um easter-egg (surpresa escondida): Stefan é mostrado novamente no ônibus indo para a Tuckersoft. Porém, desta vez ele não tem que escolher entre as duas músicas. No lugar disso há uma fita de Bandersnatch que ele toca e, para nossa surpresa, é um chiado muito incômodo e aparentemente sem sentido.

Todos que chegaram disseram que foi acidental. Porem no fluxograma postado acima da pra se chegar nele.

Sobre o chiado tocadona fita, acabou sendo descoberto que este som representava uma imagem codificada.

Ao decodificar, conseguiram o seguinte:

Este é um dos melhores easter eggs não apenas de Bandersnatch, mas de toda a série Black Mirror, pois além de estar na forma de enigma, mesmo após decifrá-lo ainda tem mais.

Bem, o que vemos acima é um QR-Code, código semelhante ao de barras, mas em dois eixos (e o símbolo usado no episódio White Bear e Bandersnatch no centro). Este código QR leva a um link que você pode acessar aqui. Se você se surpreendeu ao se deparar com o site institucional da empresa Tuckersoft, saiba que não foi o único. Este é um Easter Egg que traz a realidade de Bandersnatch para a nossa.

Se repararmos bem, ali a empresa é dada como falida (dê uma fuçada no site, é interessante como complemento). Com isso, podemos assumir que a realidade que os produtores consideram “correta” é qualquer uma daquelas onde o jogo não é lançado a tempo OU aquela onde Bandersnatch recebe 5/5 estrelas, mas tem que ser retirado das prateleiras.

Ainda falando sobre easter eggs: se você tiver um emulador do ZX Spectrum poderá jogar Nohzdyve – o jogo que Colin Ritman estava desenvolvendo no início do filme.

Sim, eles fizeram MESMO o jogo Nohzdyve. Pra você poder jogar.

Mas tem outros easter-eggs dentro do site que não vamos contar, pois é mais legal descobrir sozinho.

Se formos ver a coisa como um todo, dá para fazer ideia da enorme equipe envolvida em tudo isso: desde a produção da série em si quanto os que trabalharam nos bastidores com esses detalhes extra.

Creio que é possível dizer com toda a certeza que este ano a Netflix nos deu um super presente de Natal ao lançar Black Mirror: Bandersnatch. Para percebermos o quão genial é esta produção, precisamos nos embrenhar, mergulhar fundo.

E você? Que impressões teve de Black Mirror: Bandersnatch na primeira vez? E como suas expectativas foram afetadas? Conte nos comentários mais abaixo! 😉

Conheça o conceito da Suspensão de Descrença, e entenda o que faz você acreditar em histórias fictícias!

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Jerry

Administrador do blog Interprete-me, Jerry D. Blodgett tem paixão pela literatura subjetiva e os estudos da filosofia e psicologia. Sempre que possível, faz pontes entre a reflexão interior e o entretenimento.

Ver comentarios

  • Excelente texto! Mas vc esqueceu de citar o Easter egg sobre o nome do Hospital que Stefan frequentava... Saint Juniper's
    Então... te lembra algo??

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