Um Homem de Sorte é um filme original Netflix que dá exemplo de algo extremamente complexo que muitas vezes não queremos ver, porque aceitar é difícil.
Este post está repleto de spoilers do filme Um Homem de Sorte pois é focado em quem já assistiu. Se não se importa com spoilers, siga em frente. Senão você pode ler nossa resenha sem spoilers do filme.
Indice
Algumas pessoas, ao começar assistir o filme Um Homem de Sorte, no decorrer do filme pode pensar que Peter Andreas (Per Sidenius, no original) nutria uma ganância por dinheiro e sucesso. Apesar de não deixar de ter um quê de verdade nisso, a verdadeira ganância dele é mais interior. Sentia-se quebrado e buscava se concertar ansiando prestigio em grandes feitos.
Veja como Per Sidenius reagiu quando uma pessoa com autoridade no assunto reconheceu inquestionavelmente seu trabalho:
Em toda sua infância ele fora obrigado a se sentir inferior pelas rejeições de sua família com tudo que é “do mundo”. Mesmo hoje em dia existem igrejas cristãs que transformam a palavra “mundano” em uma ofensa. Assim, para essas pessoas, ser chamada de “mundano” é degradante, um grande insulto.
Dessa maneira, muitas igrejas acabam negando o mundo, tal como vimos em Um Homem de Sorte. É claro que a intenção é negar as coisas ruins, se afastar do que eles consideram como profano, mas como o “ruim” é relativo, infelizmente este ato acaba também afastando muitas das coisas boas que podem gerar ou exigir dinheiro. Com isso, podemos entender um pouco melhor como funciona a cabeça do pai de Peter Andreas.
Apesar de o protagonista do filme Netflix Um Homem de Sorte ser realmente sacana, frio e às vezes usurpador, sua intenção no fundo é realmente ajudar as pessoas. Mas, como ele mesmo diz, um homem com auto-respeito vai até o fim no que se propôs, independente do quanto isso custe. Em outras palavras, ele é adepto daquele conceito que conhecemos: “os fins justificam os meios“.
Para introduzir esta parte veja a cena do filme quando Peter Andreas saiu de casa:
Perceba que tem diversas críticas cruéis e desaprovação ferrenha de seu pai diante do que ele vai fazer. Veja a seguir as frases que, embora sejam ditas de forma pacífica, são agressivas:
“Que nunca se esqueça da severidade da vida e de seu DEVER diante do Todo Poderoso. Que ele não seja tentado pela DECADÊNCIA da cidade grande. E que nunca deseje os TESOUROS que podem ser consumidos pelas traças e ferrugem. Tudo que se cria e nasce na ESCURIDÃO, um dia se revelará e conhecerá o seu juízo.”
E, por fim, um trecho que, apesar da fala bonita, está repleto de raiva e ressentimentos:
“Economizei um dinheiro ao longo dos anos para dar-te no dia em que tu nos deixarias. Mas como escolhestes seguir teu próprio caminho, não o receberás. Porém, tenho um presente para ti. Este relógio, que meu pai me deu quando saí de casa, na esperança de que ele suavize seu obstinado coração, abra tua mente teimosa para que quando tu te afastares de teu caminho de PERDIÇÃO, tu abras seu coração DESENCAMINHADO para nós, e o Senho nos céus.”
Foram tantas ofensas que Peter explodiu ao responder:
— Que patético é ver um velho vigário de quem só conhecia uma severidade DESUMANA, tornar-se tão sentimental.
— TU NÃO PODES REJEITAR ISSO!
— Por que eu não posso rejeitar? Não posso rejeitar a piedade hipócrita de um pai?
Depois dessa cena do filme Um Homem de Sorte, quando o pai exige desculpas, Peter faz uma pergunta que contém uma revelação para nós: “Por que não me bate, como sempre?“. A igreja muitas vezes só dá forças para pessoas ruins agirem, dando asas a verdadeiros demônios. É como diz essa frase: “Não há nada mais perigoso do que uma pessoa cruel convencida de que é uma pessoa boa” (veja aqui).
A premissa que deixa a consciência dessas pessoas tranquilas é sempre algo semelhante a “se eu estiver com Deus, ele me protegerá de minhas ações se for em nome Dele“, ou “Deus sempre perdoa“. Muita gente faz coisas desumanas em nome da igreja, e mal percebe o quão mal faz para as pessoas. Não é a toa que muitos têm medo de anjos. Afinal, a Bíblia está cheia de cenas deles punindo pessoas, isso sem falar de Lúcifer, o anjo caído, não é mesmo?
Essa realidade não é presente apenas no filme Um Homem de Sorte. Se você reparar, existe uma ternura macabra em propostas que parecem muito boas, já que é comum que por trás disso encontremos algum tipo de controle ou intenção fascista na obsessão em converter. Cada novo membro reforça a essas pessoas “boas e santas” a crença de que estão do lado certo. E cada “desviado” é um arranhão em suas certezas débeis, levando-os em direção à dúvida.
Você pode ver algo semelhante a isso no filme “A Caminho da Fé” (analisamos um pequeno trecho do filme neste post), que mostra de uma forma muito interessante o quanto a crença no inferno é importante para a maioria dos seguidores. Por todos termos o nosso lado sombrio (aquele que não queremos que ninguém mais veja), necessitamos de uma fonte forte de medo para nos forçar a seguir regras impostas do que é “bom” e do que é “mau”. De certa forma, gostamos de contrastes evidentes (apesar de sempre vivermos em um linha tênue, onde não se tem nem certeza da verdade do que realmente é bom ou ruim).
Esse dilema fica bem marcado em Um Homem de Sorte. Peter Andreas é a personificação dessa dualidade que se digladia dentro de nós.
A cena abaixo apresenta um monólogo muito interessante de Peter Andreas para a senhorita Salomon, sobre como ele sentia que sua família afastava-o do mundo com hinos e orações:
“Visitar esta casa, na verdade, é gratificante para mim. Apesar de não deixar de sentir certa impressão de inferioridade. Sinto-me estranho com o jeito aberto e livre que sua família vive. A forma como preocupa-se com o que acontece no mundo como algo bom, como algo que traz sabedoria, é tão diferente do lar de onde eu vim. Lá o dia começava e terminava afastando-nos do mundo com hinos e orações. Consegue imaginar que, só por ser bela e bem vestida como a senhora, isso é visto como imoral para Deus? Quando eu penso no meu lar na infância, é sempre com vergonha e temor.”
Como pudemos notar, ao terminar de assistir ao filme, a infância de Peter Andreas foi um verdadeiro inferno com uma tremenda falta de liberdade (o mais contraditório – e irônico – é que seus pais estavam tentando, com isso, alcançar o céu). Sufoco define bem o que ele sentia. Para lutar contra tudo aquilo ele acabou gerando uma raiva imensa da igreja e da imagem de Jesus, desconsiderando que poderia vir algo bom desse lado de ver a vida.
Ele negava e fugia de todos os sentimentos que um dia nos acometem, como o remorso e a culpa. Esse talvez seja o maior inferno que a igreja cristã tenta nos impor. Afinal, esses sentimentos uma hora nos atingem, por mais frios e calculistas que tentemos ser. Essa constante lembrança da igreja, sobre a necessidade de sermos humildes, em um ponto tem bons resultados. Isso porque todo tipo de vantagem que a gente acaba sentindo em algumas fases da vida é uma verdadeira ilusão.
De certa forma, por mais cruel que a igreja tenha sido (ou ainda é, em alguns sentidos semelhantes ao mostrado no filme Netflix Um Homem de Sorte), ainda há nela muita sabedoria de coisas ditas que acabam acontecendo, seja você cristão fiel, seja ateu ou de outra religião. E isso indica que em absolutamente tudo pode ocorrer os lados bons e os ruins.
Da mesma forma que a igreja pode ter alguns lados positivos, muitos ateus também acabam sendo muito mais iluminados em ajudar o próximo, se comparados com certas pessoas de alguma religião. Inclusive, muitos há que ajudam mais que um exército de religiosos.
Buscando mais uma vez um exemplo no original Netflix Um Homem de Sorte, vemos na cena abaixo como uma pessoa cristã aceitou ajuda da mulher judia enquanto a outra colega já rejeitou e a julgou, expulsando-na só porque sua fé é diferente:
Como podemos notar, o filme mostra diversas cenas onde a religião causa algum tipo de dor injusta (como a que mostramos na primeira cena, no início deste post). A vantagem de quem não se importa com religiões é que essas pessoas irão tanto ajudar quanto receber ajuda sem olhar a quem. É claro que há muitos fiéis fervorosos que não têm esse preconceito em si. Mas basta olhar ao nosso redor para notar que há muitos exemplos de pessoas que julgam de forma semelhante à cena acima.
Na tentativa de ignorar tudo relacionado à igreja (devido ao trauma causado principalmente pelo pai), Peter Andreas acabou fazendo muita maldade e manipulação tentando usar seu “super poder” de ignorar culpas e remorsos. Ele soube muito bem por um tempo trocar a culpa e remorso por raiva. Só que houve um momento que a raiva passou.
Quando se é ambicioso e coloca uma ideia muito forte na cabeça, isso faz com que suspenda qualquer tipo de consideração de valores. Então, caso seja necessário seguir a frente pisando nos outros, acaba fazendo. No caso de Um Homem de Sorte, de certa forma isso se converte no mesmo tipo de fanatismo que Peter Andreas repudiava na igreja. Ou seja, de tanto querer ser diferente de seu pai, ele se moveu para o lado oposto do “campo de batalha” e passou a fazer o mesmo. Não importa que o lado era outro: as atitudes se tornaram iguais.
Existe uma frase interessante de Nietzsche sobre isso: “Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.”
Veja o exemplo de sua própria dureza forçando um pedido de desculpas, assim como seu pai fez com ele antes que saísse de casa:
Que espelho doloroso para Peter Andreas, não acha?
Dizem que para ser um gênio é necessário mais esforço do que dom, e eu acredito muito nisso. Às vezes uma pessoa com incríveis habilidades é tida como “nascida com o dom”, quando na verdade desde criança essa pessoa teve pais que incentivaram (como é o caso de alguns filhos de cantores famosos que acabaram seguindo a mesma carreira).
Se você está alinhado em uma família com mesmo propósito, a empatia é maior porque os pais conhecem aquela dor acabam ajudando muito.
É claro que existem dons que dependem do biológico, mas acredito que a maioria das pessoas extraordinárias se tornaram extraordinárias, e não nasceram prontas. Algumas só parecem que nasceram prontas porque não acompanhamos os bastidores. Vemos só seu brilho no palco.
Achei bem interessante essa ousadia do protagonista Per Sidenius em demonstrar a fé da força de vontade. Veja a seguir outra cena do filme Um Homem de Sorte:
Essa fé que Sidenius tem na força de vontade só cresceu tanto assim porque, durante sua difícil infância, precisou afiá-la por não ter apoio de ninguém na família. Pelo contrário, ele era sempre jogado para baixo repetidas vezes.
Se não fosse por essa sua força de vontade demonstrada ao longo de todo o filme Um Homem de Sorte, ele simplesmente se conformaria com o que a própria família esperava dele, e talvez sequer tivesse feito uma viagem para estudar fora.
Em um certo momento, o orgulho de Per Sidenius tornou-se tão grande que acabou por ofuscar seu sonho. Em certa altura de Um Homem de Sorte, bastava um mero pedido de desculpas para que dessem segmento ao seu projeto.
Porém… Veja a cena:
Para poder seguir a vida com um propósito tão grandioso, e estando em ambientes adversos como aquele em que viveu com a família, ele precisava mesmo desenvolver uma fé grande em si. Porém, da mesma forma que o orgulho poderia ter sido algum combustível, nesse momento foi uma bomba destruidora.
Da mesma forma que Per Sidenius nutriu uma raiva insana da igreja, essa mesma raiva pode ter se alastrado também a homens velhos que lembravam seu pai o desprezando.
É isso que vimos nesta cena de Um Homem de Sorte. Ao ser obrigado a pedir desculpas a alguém que desdenhou seu trabalho, ele se viu na mesma situação do início, quando seu pai o obrigou a se desculpar por algo que ele não se sentia culpado. Ao sair de casa, ele tomou a decisão de não se curvar a ninguém, de nunca mais ser como foi um dia (quando ainda sentia culpa em meio à família). E se deparar com aquela situação trouxe à tona esse ego ferido.
Num certo momento, o tio Delft diz uma frase interessante: “A sorte é a guardiã dos tolos“.
Essa frase remete ao fato de que: quem é bom no que faz, não precisa de sorte. Por isso, só os tolos precisam ter essa guardiã.
A sorte é, na verdade, um resultado de atitudes corretas somadas à preparação em sincronia com o tempo certo. Assim como virais na internet: cada um tem seu momento certo, e só funciona porque estava no “timing”.
Já vi os mesmos conteúdos não viralizarem em outras páginas, mas outras páginas conseguindo esse feito apenas por pegarem o timing correto.
Veja uma cena do filme Um Homem de Sorte que possui uma ponderação sobre dinheiro:
“O dinheiro, Sr. Sidenius, é magnético. Aqueles pequenos pedaços redondos de metal atraem os mais profundos sentimentos humanos. E revelam as mais nobres inclinações do coração. Você não concorda?”
De alguma forma, achei que o tio Delft lembra bastante o Scar da animação Disney “O Rei leão”, em sua forma de falar e agir.
Antes de seguir em frente quero deixar uma outra cena de Ozark que faz uma ponderação interessante sobre o dinheiro:
Segue a transcrição do que é dito:
“Grana, tostão, cascalho, prata, conto, pila, tutu, din-din, bufunfa, verdinha… Dinheiro. O que separa o ter, do não ter.
Mas, o que é dinheiro? É tudo, se você não tiver, não é? Metade dos norte-americano tem mais dívidas no cartão do que dinheiro na poupança. 25% não tem poupança nenhuma, e apenas 15% da população se prepara para bancar ao menos 1 ano de aposentadoria.
O que isso sugere? Que a classe média está evaporando? Que o sonho americano está morto? Vocês não estariam aí sentados me ouvindo se isso fosse verdade…
Eu acho que a maioria das pessoas tem uma visão errada sobre o dinheiro. Ele é apenas uma unidade de troca para bens e serviços. U$3,70 por uma caixa de leite, ‘trintinha’ pra cortar a grama…
Ou será que ele é abstrato? Segurança, felicidade, paz de espirito? Deixa eu propor uma terceira opção: dinheiro como ‘unidade de medida’.
Sabe, na realidade a quantidade de grana que acumulamos na vida não é determinada pelo presidente, pela economia, por bolhas e crises ou pelos chefes. Tem a ver com o modo de produção norte-americano: o que tornou os EUA o maior pais do mundo.
Tem a ver com ir contra a opinião da mídia sobre o que te torna um bom pai. É ter que faltar no jogo, na peça, no concerto, porque você decidiu trabalhar para investir no futuro da família, alem de assumir a responsabilidades pelas consequências desses atos.
Paciência, parcimônia e sacrifícios. Se pararmos para pensar, o que essas três coisas têm em comum? Elas são escolhas.
Dinheiro não é paz de espirito. Dinheiro não é felicidade. O dinheiro é, na sua essência, o que mede as escolhas de um homem.”
Com isso tudo colocado aqui, voltemos ao filme Netflix Um Homem de Sorte: será que Per Sidenius é, de fato, um homem de sorte como tantos disseram? Ou será que ele está mais próximo daquilo que Delft falou?
O relógio é uma ancora muito ruim para Per Sidenius sobre seu pai. Por mais que ele sempre recuse de uma forma ou de outra a proposta em aceita-lo como presente sempre retorna, sempre com mais apelação emocional que anteriormente.
Para seu pai o relógio foi um simbolo de remorso e reconciliação por isso insistia tanto e da-lo com uma esperança de ação na reconciliação por parte de Per Sidenius.
Veja a cena onde a mãe tenta novamente dar o relógio, mas na conversa ela acaba o ofendendo bastante:
Nesta cena de Um Homem de Sorte, mesmo morto a memória do pai vem atormentar Per Sidenius com a ideia de perdão e remorso, através daquele relógio. Talvez o objeto significasse, para o pai, que seria apenas uma questão de tempo até que o filho retornasse a ele, de joelhos, pedindo perdão. Porém, isso nunca acontece.
Dá pra entender perfeitamente a súbita saída e a explosão de raiva ao esmurrar a parede de fora. Por mais que no fundo ele tenha sido doce ao engolir tudo sem explodir na frente dela, ansiava muito ser reconhecido pela mãe, só que sempre só obtivera rejeições e críticas e esse buraco ficou muito profundo em Per Sidenius.
Per Sidenius se acostumou a viver na escuridão da solidão e na angustia. Mesmo com sua família ao redor, sempre se sentiu sozinho e deslocado. Ele mesmo admitiu, na primeira conversa com o pai ao sair, que sempre se sentiu sem lar e um estranha em sua própria casa.
Se para ele nem mesmo Deus o acolheu, sua raiva é compreensível. Pois em sua visão parece piada que Deus ajude alguém. Per Sidenius o culpa pelo seu vazio e buraco de inadequação na religião. É algo semelhante àquele sentimento de “todos que seguem na linha podem, mas ele, um fruto de fora, não pode“.
É evidente que, estando de fora da situação, conseguiu enxergar melhor o quadro todo e ver todo tipo de seletividade e preconceito advindo das pessoas com religião (como a cena de Um Homem de Sorte que mostramos num dos vídeos mais acima, da judia).
Veja a cena em que Per Sidenius se enfurece com a imagem de Jesus em um lugar inesperado:
Os sinos da igreja que ele ouve estão apenas em sua cabeça, mas é como um trauma de infância que sempre volta para assombrá-lo. Ele sente-se vigiado, tal como era quando estava na casa de sua família, antes de viajar para Copenhague.
As rédeas que o pai impôs sobre ele, em vez de o aproximar da religião, apenas afastou. E nesta cena do filme Um Homem de Sorte sentimos na pele a angustia e desespero de Per Sidenius.
Apesar de semelhantes, estas duas palavras têm um significado que difere em sua essência. Enquanto que solidão é geralmente atribuída a um isolamento triste e contra a vontade da pessoa, a solitude é como se fosse o lado positivo da solidão, e pouco de ouve falar nela. Trata-se da solidão proposital, quando uma pessoa se afasta de tudo e de todos para colocar suas ideias no lugar, para buscar uma evolução e clareza interior.
Relações humana costumam ser bastante dolorosas, principalmente a nível familiar. O que torna difícil de nos encontrarmos na sociedade é justamente a quantidade de influência que recebemos, e a necessidade de personas diferentes para cada tipo de situação (ou seja, para cada situação temos uma forma de agir que se adapta à situação – e isso sem que notemos, é natural). Sem nem pensar, costumamos agir diferente de acordo com o grupo de pessoas com quem estamos. As vezes também nos adaptamos a um único indivíduo, podendo ser cônjuge ou não.
Para alguns, a solidão é um inferno. Para outros é redenção (e neste caso, chamamos de “solitude”). A escuridão e o vazio, de certa forma, fazem florescer paz. Afinal, a paz é uma sensação de calmaria com pouca atividade energética, se assemelhando ao escuro e silêncio. Um exemplo simples é que precisamos tanto do escuro quanto do silencio para dormir à noite. Então, a escuridão é o único refúgio para quem não souber lidar com a energia da luz.
É evidente a necessidade de Per Sidenius ficar sozinho longe de tudo, ou seja, sua necessidade de solitude.
Veja a cena de Um Homem de Sorte abaixo:
Este é um momento em que ele reconhece em voz alta essa necessidade (refiro-me a reconhecer “em voz alta” porque dentro de si ele já tinha essa certeza. Veja suas palavras exatas: “Há pessoas que são atraídas pela aflição, aquele que só encontram redenção no desespero e na solidão“.
Isso chocou sua esposa, e por isso era algo que Per Sidenius só guardava para si. Mas sempre há um momento em que as coisas precisam ser ditas.
Contudo, ainda há o desejo dele em deixar seu legado profissional para o mundo ao pedir para incluir seus projetos na escola:
É uma cena bonita, em que os personagens já estão se encaixando em seus lugares (suas consciências de si mesmos).
Infelizmente Per Sidenius sequer ficou sabendo sobre o aborto. Nesta reclusão de solitude ele conseguiu encontrar a culpa e o remorso pelas coisas que fez e que podem ter magoado.
Quando se é solitário, não há como magoar ninguém (e um início desse pensamento foi apresentado quando ele disse à esposa que ela e os filhos poderiam ficar melhor sem ele). Nesta última cena que apresentei de Um Homem de Sorte vemos a verdadeira liberdade de Per Sidenius em ser quem realmente é, sem o desgastes de julgamento de pessoas “iluminadas” que julgam.
Ou seja, não era somente o pai e a família. Ao sair de casa ele percebeu que sua forma de ver o mundo (e a si mesmo) batiam de frente com praticamente todas as pessoas que conhecia. Devido a não se curvar em pedidos de desculpas (pois sempre associava isso à fraqueza de se render ao pai), acabou machucando outras pessoas no caminho.
Eu particularmente gostei muito do original Netflix Um homem de sorte porque Per Sidenius é um grande exemplo de muitos conceitos de quadros psicológicos que acontece em quase todo mundo, em diferentes níveis.
Quem nunca sentiu rejeição de integrantes da própria família, ou de pessoas de alguma religião? Quem nunca foi rejeitado e buscou por aprovação querendo impressionar ao fazer algo grandioso? Quem nunca acabou pisando em alguém (as vezes até sem intenção clara)? Quem já não teve um momento em que pareceu que defender o ego era mais importante do que realizar um projeto?
A necessidade em sermos humildes é porque SEMPRE estaremos errado em algo. Apenas por existirmos já estaremos incomodando alguém, SEMPRE. E como vamos partir sem nada dessa vida, talvez o desapego imposto pela humildade seja a coisa mais valiosa que há.
Conseguir ter posses sem vestir o materialismo é um dom para poucos. Quanto mais se tem, maior é o desafio espiritual em lidar com perdas.
Não é a toa que pessoas sábias sempre exaltam o valor das coisas simples, e é isso que realmente preenche alguns vazios. No fim, se formos pensar, para preencher verdadeiramente o vazio é preciso mais vazio. Até o amor gera dependência, e o vazio em algum nível sempre vai estar lá, esperando uma luz se apagar.
Sem mais…
Veja a galeria dos principais atores e atrizes que compuseram o elenco do filme Um Homem de Sorte Netflix:
Um Homem de Sorte foi originalmente concebido para ser uma minissérie, e por este motivo acabou sendo tão longo, dando a impressão de que suas quase 3 horas se arrastam lentamente.
A primeira exibição foi em março de 2019, na East Bay Jewish Film Festival, na Califórnia. Devido à duração extensa, o filme foi apresentado em duas partes, dando aos espectadores um tempo para se restabelecerem antes de encarar mais outra hora numa cadeira.
Aproveitando, dê uma checada nas críticas que fizemos de Aurora: O Resgate das Almas, Amizade Dolorida, Lunáticos, Rilakkuma e Kaoru, O Professor de Música, Nada Santo (baseado em fatos), Alguém Especial e o k-dorama Primeira Vez Amor.
Sinopse Netflix: Um talentoso engenheiro abandona suas raízes austeras por riqueza e sucesso em meio à elite de Copenhague. Mas o mesmo orgulho que o motiva pode representar sua ruína.
Duração: 2h 42min;
Ano de lançamento: 2018;
Ver comentarios
Fantástica explicação sobre esse filme que achava estar em desacordo com o título. Salvei para reler. Obrigada
Adorei a Sua explicação e análise, perfeita em todos os sentidos.
Concede à nós, meros expectadores, uma noção ampla do personagem e dá clareza aos diversos enigmas que transcorrem durante o filme.
História instigante deste gênio/artista, onde nós nos vemos em diversas situações.
Parabens!!!
Incrível como uma história excelente pode ser mal interpretada.
Nossa !!! Encontrei nesta análise o que vim buscar. Notório o vício emocional em solidão presente no personagem principal e sua dificuldade de pertencimento na infância o fez abandonar todos os lares que a "sorte " levou até ele. E tão real esta história que ao não se curar ele deixa este legado ao filho que certamente carregará as dores de ter sido abandonado. Seu texto satisfez-me tanto quato o filme! Muito obrigada!
Análise confusa a sua. Agora, sei mais de você, de seus preconceitos, predisposições e propósitos do que sobre o filme.
Gostei muito da sua análise, do modo que percebeu a essência do Peter. Eu resumiria tudo em "um grande filho da puta".
Muita gente resumiu assim.
Fato!
Concordo em vários pontos de vista. Gostei mesmo foi da protagonista. No diálogo final, então..!!! Perfeito. É muito difícil indicar filmes. O currículo de vida de cada um de nós influencia muito. Dear Peter é ótimo.
No meu ponto de vista, um homem de sorte porque era chamado pelos judeus como Um Homem Afortunado. Talvez seja mais simples para que as pessoas entendam a tradução do título.
Entendi que ele volta e casa com o passado, não consegue viver outra vida, se libertar das mágoas, dogmas, enfim, fica até mais fácil aceitar do que lutar para seguir uma vida de sucesso.
Pobre de amor e pobre em amor, não consegue identificar nem conhece o sentimento.
Não vejo como ele abandona esposa e filhos. Vejo como ele fica estagnado. Que triste, ele nem se cuida, que dirá cuidar dos outros. Ele se abandona.
Em vista disso, me surpreendi ao vê-lo chamar a única pessoa que realmente o conheceu, por isso o perdoou.
Dar o pouco dinheiro pra mim significou não o orgulho, mas a preocupação que acompanhou a sua vida em pagar o que lhe foi emprestado.
Ele pede perdão. Parece, naquele momento, que ele entendeu tê-la magoado. "Eu a fiz sofrer muito?" Sei de gente que magoa e jamais fará essa auto-consciência.
Completamente perdido e abandonado, quantas pessoas não magoou...
Senti tanta dó dele.
Conheço tantas pessoas que escolhem esse caminho. Me pergunto se fossem abandonados seria o inferno ou redenção.
Fantástico texto que conduz a reflexões profundas!!!!